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Fotografia e amor: é possível?

29 abril, 2010

Those Days of the Sixties, 1965, Jan Saudek

The Bond of Love No. 1, 1960, Jan Saudek

The Portrait of Ida and Shin, 2001, Sara Saudkova

Kampa (Prague), 2001, Sara Saudkova

Há quem leia a pergunta e já responda de imediato.

Eu passo.
No post inaugural do blog Icônica, Ronaldo Entler abordou uma questão que, de tão presente no senso comum, já nem desperta tanto debate/curiosidade: como a personificação do fotógrafo está vinculada a um personagem complexo, com crises existenciais profundas, instrospectivo e, quase inevitavelmente, “incompetente para os relacionamentos amorosos”. A argumentação de Entler é baseada em alguns personagens fotógrafos que povoam a história do cinema (em BlowUp, Antes da Chuva, A Prova, A Pele, etc.).

Não sei se existe essa incompetência, mesmo porque não sei se uma competência para o amor é possível – em qualquer profissão ou grupo social. Mas identifico a complexidade e a tormenta típica do nicho.
Fotografar é mesmo viver em perigo já que o fotógrafo se coloca constantemente em risco – piegas mas honesto – de apaixonar-se pelo que vê. Pra logo em seguida, desapaixonar-se e prosseguir vivendo desimpedido e livre para amar novamente. E isso é viver em conflito constante, alimentando a contradição entre o frio na barriga provocado por uma boa fotografia e o desapego necessário para a próxima imagem.
O que acho mesmo é que o fotógrafo é das figuras mais egocêntricas possíveis. Fotografa no mundo o que ele é, sua própria pessoa, “seu ego num corpo alheio”, como diz José de Souza Martins. Nesse movimento, ele se reconhece bonito e apaixonante, mas também se reconhece feio, grotesco e assustador. E segue pelo mundo entre extremo encantamento e extrema repulsa.
Talvez, analisando de forma superficial, resida aí a causa de uma imagem tão solitária, cheia de altos e baixos e ciclos, que repelem, atraindo. Pensar o fotógrafo assim é lugar-comum, mas deve partir de um indício de verdade que seja, um conceito possível pela repetição.
Jan Saudek, o fotógrafo tcheco, confessou: “eu fotografo meus amados através do prisma do amor…”. E quem é capaz de negar uma afirmação dessas? Principalmente quando dita por um homem que dividiu com a mulher não só a paixão pela máquina, mas a paixão pelo filho. Em sua vida, a fotógrafa Sara Saudková foi não apenas namorada, mas prossegue “como atual empresária e mãe de seus netos (ela começou um relacionamento com Samuel, filho de Saudek, enquanto ainda viviam juntos)”.
O resultado é um par de trabalhos que confundem amor, erotismo, sofrimento, paixão e que misturam-se um no outro, dialogam, às vezes com agressividade, às vezes no mesmo ritmo, às vezes em silêncio – como num beijo (apaixonado ou não?).
*não sei porque me veio essa preocupação agora, mas deixo claro que, dizer que os dois trabalhos dialogam entre si não é o mesmo que dizer que estão em pé de igualdade. Saudková me comove muito menos, mas nem por isso deixo de reconhecer em seu trabalho os traços marcantes e a personalidade excêntrica de Saudek, linda influência.
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